top of page

​Minha
História

Joaquim Soares, 81 anos, foi entrevistado na Casa do Povo da Raiva no dia 27 de Julho
de 2022.
Começou por se introduzir: “Fui pároco cá nesta freguesia, depois mais tarde entrei no
ensino, licenciei-me em Estudos Clássicos na Universidade Católica, depois lecionei, fui
professor durante 30 e tantos anos e acabei por me reformar aos 67 anos e cá estou…” e falou
também da altura em que ajudava a fazer os bolos de Serradelo: “Tínhamos uma atividade
muito boa lá em Serradelo, foi se ao ar, tenho muita pena de ter deixado aquilo… Lá em casa a
nossa vida era muito dura porque a Rosa, a minha cunhada mais velha, é que era proprietária
daquela engrenagem toda e era muito exigente com os doces. A minha cunhada não vendia os
doces quando pensava que eles já estavam menos frescos e por tanto, os doces que se vendiam
eram todos frescos e para fabricar doces frescos tínhamos que nos levantar nesses dias muito
cedo, às 5 horas ou às 5 e meia da manhã, e tínhamos que trabalhar até quando fosse possível
porque os doces não podiam ficar de um dia para o outro sem serem trabalhados, portanto era
preciso trabalhá-los até ao fim e como costumava dizer, quem mandava nas nossas refeições
era o forno, o forno é que mandava porque se o forno tivesse que estar 2 horas ou 3 horas a
funcionar… depois quando se interrompia, fazia-se as refeições e descansava-se um bocado”
De seguida, foi-lhe perguntado onde tinha nascido, ao qual respondeu: “Eu nasci no
Porto, a minha casa, a casa onde nasci, era a 1ª ou 2ª de São Mamede, ali pertinho do Hospital
de São João” e contou nos de seguida como se tornou padre: “Entrei no seminário, tinha os
meus 15 ou 16 anos e fiz o meu curso de Teologia e tornei me padre por D. António Ferreira
Gomes, grande homem e grande bispo que se opôs a Salazar porque quando foi a eleição de
Humberto Delgado, os bispos foram convocados e obrigados, numa maneira de dizer, a votar
em Salazar só que D. António, antes de votar em Salazar, escreveu-lhe uma carta a dizer que
tinha problemas muito sérios relativamente àquilo que Salazar andava a dizer relativamente ao
direito associativo, ao direito das pessoas, dos trabalhadores, uma série de coisas que D.
António impôs ao Salazar na carta, a chamada carta de D António, que eu também depois não
sei como é que esta carta foi divulgada, mas sei que esta carta correu pela diocese toda, (…)
por isso tudo D. António foi obrigado a exilar-se e esteve 10 anos fora. Ao fim de 10 anos ele
veio, foi uma grande animação para todos e para o meu curso, eramos talvez uns 12 rapazes e
foi uma alegria muito grande ver o D. António, porque ele enchia a nossa imaginação, foi uma
espécie de herói, isto em 69. Em 70 nomeia-me a mim e a mais 4 padres: o Emílio, para São
Pedro, o João Carlos, foi nomeado pároco de Real, o Serafim foi nomeado pároco de Pedorido
e eu fui nomeado pároco da Raiva e juntamente connosco veio o Rui, que era um diácono.”
E foi assim que, segundo o próprio, veio cá parar: ”Um sonho!”, exclamou. “Vínhamos
para viver juntos, vínhamos para trabalhar juntos, vínhamos para partilhar a nossa vida em
comum. Nada disto [da vida em Castelo de Paiva] estava a ser observado na diocese, de tal
modo que o nosso bispo foi um homem de perspetiva e ajudou nos, no princípio pelo menos, e
ele foi muito contestado no meio desta história toda, mas pelos padres velhos, foi contestado
porque isto de vir 4 padres novos para Castelo de Piava, uma zona rural, foi uma revolução!”
Continuou a falar-nos como foram os primeiros tempos: “E pronto viemos, e
começamos por nos instalar na Raiva, foi o nosso ponto central, era mais sossegado, mais
calmo, mais discreto… é uma maneira de dizer porque aqui Pedorido, quer a estrada velha
quer a estrada nova faziam muito barulho e nós gostávamos de trabalhar no silêncio, é a nossa
perspetiva de trabalho e estivemos ali e aguentamos 5, 6 anos. Depois o Serafim foi para o
Porto trabalhar com os jovens e veio outro pároco trabalhar cá para cima, veio o pároco Zé
Ribeiro da Mota. Depois, houve muitas peripécias da nossa vida, muitas desilusões… tudo, faz
parte!”
Fez um pequeno do que tinha feito com o povo, enquanto Padre, e partilhou algumas
das peripécias que aconteceram nesse período: “Em 76, eu decidi deixar o Ministério, fiquei
cansado desta história toda e decidi entrar no ensino. Mas a nossa inovação pastoral foi muito
boa, trouxemos coisas novas, sobretudo trouxemos uma maneira de ser diferente, estar com as
pessoas. Nós viemos para estar com as pessoas, porque as pessoas deram conta que nós não
estávamos aqui para explorar ninguém, para ver ou passear… Nós estávamos aqui para estar
com as pessoas (…) íamos acompanhando, visitando… Recordo me perfeitamente que as
pessoas convidavam-me a mim e aos outros para almoçarmos em casa e depois até diziam “Ai,
o senhor Padre come de tudo!”, porque não fazíamos nenhum esquisitice naquilo que
comíamos, se íamos a casa de alguém não queríamos nada de especial, comíamos o que
havia.”
“Depois com os jovens foi muito engraçado, porque nós fomos muito contestados,
encontramos aqui em cima muitas coisas boas, sempre gostei muito do vosso povo (…) mas
houve um confronto muito engraçado (…) a Festa das Cruzes, em 1971 foi uma revelação
tremenda! Chegamos em 70 e fomos conhecendo as pessoas e observando como é que elas
viviam e o que lhes enchia as cabeças e o coração com as preocupações que tinham e nós
fomos dando conta de muitas coisas e uma das coisas que nós vimos era que as pessoas eram
muito marcadas pelo destino, ainda hoje são! É o destino na doença, é o destino no trabalho,
até no ensino é o destino, é Deus que quer! E isso levava-nos a ter muitas dúvidas e a
contrariar muitas vezes as pessoas. Na Festa das Cruzes foi muito engraçado… Hoje estou me
a rir, mas naquela altura foi muito difícil e diferente. Ainda hoje a água é difícil e complicado
mas naquela altura era uma tragédia. Estou vos a falar de uma situação na Raiva que era
impressionante… A Raiva não tinha distribuição de água pública (…), mas junto da casa da
Tia Micas Sapateira, mesmo no centro do largo, havia um fontanário, o único fontanário do
largo, e as minas deram cabo das águas em profundidade, de tal modo que na Raiva não havia
água e as pessoas vinham com as suas vasilhas de madrugada junto ao fontanário para
recolher a água e impressionávamo-nos muito…”
“Isto tudo para vos falar da Festa das Cruzes era talvez a reunião mais importante
daquela altura, aquilo enchia de gente e nós não prevíamos isso, era a primeira vez que
estávamos cá mas já nos tinham dito que vinha gente de fora porque a Festa das Cruzes reúne
o concelho todo. Então o que é que aconteceu, nós fizemos uma homilia, quem a preferiu foi o
João Carlos em que dizíamos que o destino não existe, existem as pessoas e são as pessoas que
fazem o seu destino: “Vós fazeis o vosso próprio destino, segundo as escolhas que fazeis na
vossa vida”. Faltava água às pessoas, então as pessoas pediam a Deus água. O Sr. José, que já
morreu, um dia qualquer na missa num Domingo, disse que precisavam de pedir a Deus chuva:
“Oh Senhor José, quer chuva? Tudo bem, nós pedimos! Não há problema, mas ó Sr. José temos
aqui tanta água na barragem, não era melhor a gente irmos busca-la lá abaixo?” [ao que Sr.
José terá respondido] “Oh Senhor Abade??!! Como é que a gente vai lá abaixo buscar a
água?”. E aquilo ficou, foi amadurecendo ao longo do tempo, não vos posso dizer que isto
fosse de um dia para o outro.”
“No dia das Cruzes isto veio á baila: [e o Sr. Joaquim disse] “Quereis água? Tendes
água ali na barragem, ide buscar a água”, [ao qual perguntaram] “Como?” [tendo o Sr.
Joaquim respondido] “Organizai-vos, é preciso, associarmo-nos, associamo-nos todos, se tu
tens necessidade, tu tens necessidade, tu tens necessidade, então temos tanta necessidade,
temos água suficiente, Deus dá nos a água, como é que vocês pedem a Deus água se tendes
aqui água à vossa frente?”. Isto é fácil de entender que foi uma revolução tremenda, muita
gente, gente de Sá, gente de Real, gente de Bairros, gente de Fornos [dizia] “Olha o Senhor
Abade a fazer reclame às motobombas!” disse Sr. Joaquim, enquanto se ria. “E nós ficamos
marcados pela motobomba, marcados não negativamente porque estávamos em grupo e o
grupo fez com que isto funcionasse positivamente. Claro que os Padres que nos conheciam,
estou a falar dos Padres da Vila, de Sardoura, quando souberam desta história
ridicularizaram-nos mas para nós foi marcante.”
Continuou a contar-nos mais algumas das histórias que aconteceram enquanto ainda era
Padre: “Depois, recuperamos o nosso agir, o nosso estar. Mais tarde tivemos outras
complicações, o São Domingos. Vocês hoje vêm São Domingos e São Domingos está muito
bonito, mas naquele tempo, imaginai aquela serra despida, sem nada, mas com muito restolho,
com muitas imundices, muita tralha, vocês vem vêm o que aconteceu com o incêndio em que a
palha, as coisas secas, deram oportunidade ao fogo de se estender por ali fora e tudo
aconteceu… [No dia de São Domingos] fomos comer às barracas, não fomos comer às custas
de ninguém, fomos comer nós os 4 ou 5 e a designado momento, lá para as 10 horas da noite,
[ouviu-se os] foguetes no São Domingos, e pega fogo na encosta, para o lado de Folgoso ou
para o lado de Alveda… é impressionante aquilo! Haver fogo quase aos nossos pés é
extremamente impressionante! O Rui e o João Carlos atiraram-se com ramos a tentar apagar o
fogo, naquela altura, em 71 não sei se os bombeiros eram obrigados a estar presentes no
lançamento de fogo-de-artifício, mas sei que pegou fogo e vejam o que era toda a gente a tentar
apagar fogo. Sei que o Rui quando chegou à nossa beira, chegou com uma camisita toda
queimada e todo suado, todo desfeito e se calhar fui eu que fiz asneiras, devia ser mais didático
e não fui mas disse “Não há mais fogo em São Domingos!”. Isto é uma ordem do Senhor
Abade!” diz, rindo: “O Senhor Abade quando fala, fala! Claro que muita gente não concordou
comigo e é evidente que eu se calhar devia ter outro preceder, não tenho dúvida sobre isso. O
que é certo, é que tomou uma posição. No ano seguinte, a comissão não deitou foguetes (…).”
De seguida, foi-lhe questionado que tipo de projetos dinamizou ao longo da sua vida:
“Eu sempre estive metido em coisas, mesmo nessa altura de pároco nós nunca paramos de
trabalhar com jovens, os jovens foram o nosso ponto de apoio, muito grande (…). Os jovens
fizeram um jornal, o “Por Acaso” e eram jovens de Serradelo que iam vender o jornal mas
também os jovens de Oliveira do Arda, de Folgoso estavam metidos nisso. O “Por Acaso” foi
uma forma de dinamizar muito importante e não era tão inocente quanto isso”, referindo-se ao
controle que havia na altura da PIDE.
Falou também de um teatro que ajudou os jovens da altura a dinamizar e da importância
da cooperativa e do seu papel na mesma: “Outra coisa muito engraçada que fizemos nessa
altura com jovens foi o teatro em que o José Bairradas fez de São José, foi uma peça de Natal,
foi uma peça representada por jovens e faziam uma representação do Natal, uma imitação do
presépio. Isto foi no meu tempo de pároco, depois de ser pároco, tinha a cooperativa de
consumo de Pejão, quando aquilo já estava com muitas dificuldades económicas, eu ainda
achei que fosse possível reestabelecer, recuperar aquela história toda mas houve algumas
pessoas que não foram muito honestos connosco, não foram transparentes, havia muitos
interesses e estragavam todo o trabalho que nós tínhamos com a cooperativa. A cooperativa foi
muito importante no tempo de Salazar e no tempo da guerra porque reparai que hoje, dão
conta da guerra na Ucrânia e estais a ver as condições que estamos a viver economicamente
mas naquela altura havia a chamada bicha do pão, bicha para as coisas mais essenciais e aqui
na cooperativa do Pejão nunca faltou milho, por exemplo. E eu dei alma e coração àquilo mas
não consegui, foi uma das coisas que me falhou redondamente.”
Mencionou também os projetos na Casa do Povo: “Na Casa do Povo, sempre teve aqui
gente muito ligada ao sistema. O Almerindo foi um homem muito rico e era um homem do
sistema, não contrariava o sistema mas também não estimulava para andar para a frente.
Também era muito difícil fazermos alguma coisa até porque teríamos de arriscar com o aspeto
social. Depois, quando o Almerindo deixou isto, entrou o Capela, entrei eu, uma série de gente
e fomos dinamizando isto com um bocado mais de atenção, mas é um bocado difícil até porque
a Casa do Povo não tem tradição social, aqui a Casa do Povo está muito fora do lar e a malta
reúne-se nos cafés. O Capela sempre foi um jovem muito dinâmico e pensava que era possível
darmos à Casa do Povo uma dimensão social diferente. Chegamos a ter aqui uma espécie de
grupos de leitura, de passatempo, foi o que foi possível. Agora, há por aí uns grupos de música,
de atividades que vão acolhendo as pessoas.
Não deixou de referir o seu trabalho no ensino: “Na escola também procurei ajudar
muito aquela canalha, nunca levei ninguém para explicações. Claro que o ensino, quando
entrei na escola, era completamente diferente do que é hoje. Eu ensinei português. Estive
sempre preocupado para que os meus alunos escrevessem bem e escrevessem bem as suas
ideias e elaborassem bem os seus textos e dei cabo deles, no bom sentido do termo, porque os
obrigava a refazer completamente os seus trabalhos. Sempre vi nos meus alunos homens e
mulheres a crescer e eu a ajudá-los a desenvolverem-se. A gente aprende para a vida e aprende
com a vida.”
Falou se também do porquê de, apesar da sua vida como Abade ter acabado, nunca saiu
de Raiva: “Nunca sai… é o destino!” disse, rindo-se. “Como pároco tive um convite para ir
para França, tinha entrado aqui há dois anos (…) e falei com o D. António porque nós
falávamos com o nosso bispo e íamos pondo o nosso bispo a par das atividades e dos nossos
sonhos e desilusões, então disse ao Sr. António que não estava disposto a ir para a imigração”
Explicou o porquê de não ter ficado em S. Mamede: “Depois não conquistei S.
Mamede. Dei-me muito bem com aquela gente toda mas uma coisa é dar me bem com aquela
gente toda e outra coisa é a gente lá construir a vida e aconteceu uma coisa, é que lá a igreja
de S. Mamede é uma igreja velha ao passo que aqui é uma igreja de jovens, isto aqui tinha
perspetiva e a história daquelas rotinas sem qualquer espécie de estímulo… mais uma razão
para eu ficar aqui!”
E continuou a contar o porquê de ter ficado na Raiva: “Nunca vi (…) com bons olhos,
nunca aceitei que os jovens saíssem de cá… porque é que os pais passam tanto para criar os
filhos, (…) e depois os filhos não se entendem para cuidar dos seus pais. Já naquela altura
sentia e hoje sente-se mais ainda, o descarte dos velhos, e naquela altura os jovens fugiam e foi
sempre uma das desilusões constantes desta história foi que os jovens sempre nos saíram daqui,
sentia-se muito isso no grupo coral. Há meia dúzia de anos eu falei com o Noronha, o Noronha
deve ter 83 ou 84 anos, a malta deixou de ir à missa, a malta não aparece, a malta não partilha
mas onde eu senti mais isso foi em Folgoso. Em Folgoso tivemos lá um grupo coral muito bom,
Folgoso é pior que Oliveira do Arda, porque Oliveira do Arda ainda está aqui num ponto de
convergência e a malta vai se encontrando tanto quanto é possível mas lá em Folgoso os jovens
fugiram todos então o grupo coral foi se ao ar, o grupo de coral em Folgoso desistiu. Agora
(…) andam a recuperar alguma coisa pelo menos, não sei até que ponto mas parece que estão
agora outra vez. Portanto, fiquei por causa disso. O ensino também foi uma razão que me levou
a prender porque naquela altura tive sorte. Hoje é diferente, hoje os professores estão mais
condicionados, mas naquela altura havia muita falta de professores, hoje também há mas é
diferente, então eles sabiam que como profissional do ensino, aqui teria sempre emprego, outra
razão pela qual me prendi aqui em cima. Não me acredito no destino, quem fez isto fui eu”
Por último, foi pedido que desse o seu parecer da geração atual e partilhasse algo com a
mesma: “Eu gosto da geração, acho que é uma geração fantástica. É claro que têm que
apanhar o comboio e tendes de lutar por ele, porque de facto, neste momento há tanta
especialidade e tanta luta que às vezes há competição e luta menos honesta mas quem é bom, é
bom mesmo. Nunca vos deixeis tentar pela facilidade ou pelo oportunismo. O oportunismo
nunca deu bom resultado, a facilidade nunca deu bom resultado. Muito trabalho, muito estudo,
muita perseverança, muita paciência, muita comunhão, muita partilha… E se é para acabar, eu
queria acabar com uma ideia. (…) Não sei se já ouviste falar no sínodo que o Papa Francisco
está a tentar organizar para 2023… é fantástico! Eu tenho 81 anos e este Papa tem 83, 82 anos,
é muito mais novo que eu, mais novo em mentalidade. O Papa Francisco é cheio de dinamismo,
tem uma visão extraordinária. Com esta história do sínodo, o que é que ele quer? Quer que a
igreja parta para as periferias. Não sei se vocês se dão conta mas as igrejas estão a ficar cada
vez mais vazias e cada vez há menos gente preocupada, então porque é que esta gente sai da
igreja? Porque é que esta gente está a encontrar formas de libertação da igreja? Porque há
muita contrariedade na igreja. O evangelho é alegria, é comunicação, é a partilha e então
como é que esta gente, para encontrar a comunicação e a alegria, fogem à igreja? É um
problema sério… O Papa quer respostas. Neste momento, vejo aqui à volta, os cristãos estão
alheios a isso. A igreja tem respostas mas os cristãos, estes cristãos que se dizem que vão à
igreja e que enchem a igreja impedem, desculpai falar assim, mas vejam se entendei o que eu
quero dizer porque eu não quero dizer que eles não são sensíveis, mas impedem muitas vezes de
entrar outras pessoas, o bom exemplo, o mau exemplo dos cristãos é contagioso. Não temo o
futuro da igreja, não me angustia nada esta falta de padres, não me angustia absolutamente
nada, agora, neste momento (…) porque eu acredito no espírito de Deus. Mas o que eu quero é
que a igreja seja capaz de dar ouvidos às necessidades do povo.”
“Vou acabar, mas vou acabar com um esquema.” diz, pegando numa folha e
desenhando o esquema. “Até ao Vaticano II havia o Espirito Santo, e o Espírito Santo mandava
no Papa, o Papa mandava nos Bispos, os Bispos mandavam nos Padres, os Padres mandavam
nos leigos, os cristãos. E este era o esquema, um esquema em pirâmide. Neste momento isto
alterou-se tudo completamente. (…) Este esquema está alterado, e isto já vem do Vaticano II, e
o que é que diz: o povo de Deus é a única realidade estrutural, honesta, possível, dinâmica. O
povo de Deus que é a igreja. Não esta igreja que se reúne aqui ao Domingo, ao Sábado, mas da
igreja, completamente toda. E agora, o que acontece, o Papa está dentro disto, os Bispos estão
dentro disto, os Padres estão dentro disto, o povo está dentro disto. Agora, quem é que manda?
Devia ser o povo, só que há 60 anos isto anda a ser desviado, desvirtuado, é por isso que eu
acredito nesta igreja, porque apesar de esta igreja estar a ser discutida há 60 anos, só agora
com este Papa Francisco é que isto vem ao de cima. É extraordinário o que este Papa escreve,
é extraordinário o que este Papa diz.”
“Agora, mesmo para acabar… não morri até agora, mas vou morrer” diz, rindo. “Dou
graças a Deus, por ter visto isto que vos acabei de dizer e isto deu me uma alegria tão grande,
tão profunda que eu suspiro de alívio, não de angustia. Há falta de padre? Não há problema. O
povo de Deus é numeroso. A igreja, conforme criou, também pode continuar a criar, porque
reparai, Jesus anunciou o Evangelho, não formou Padres, não ordenou Padres, disse àqueles
que estavam à volta dele “Tomai e comei, este é o meu corpo. Tomai e bebei, este é o meu
sangue!”. A quem é que ele disse isto? Aos padres? Não… disse isto a quem o estava a ouvir,
portanto o povo de Deus que continua atento à voz de Cristo, continua aberto, dinâmico, cheio
de vida e esperança… deem lhe oportunidade, deem oportunidade a este povo. Agora claro, o
que é que acontece com este povo é aquilo que acontecia, se em 1970, 71 eu tenho consciência
que muita gente não percebia aquilo que eu dizia, hoje digo vos que há muita gente, foram à
catequese, fizeram a comunhão solene, batizaram os seus filhos mas estão a ignorar o
Evangelho e é preciso retomar isso”, diz, terminando assim a entrevista.

bottom of page