Fernanda, mais conhecida por Nanda, foi entrevistada no dia 21 de julho de 2022. Nascida a 3 de setembro de 1962, no lugar de Oliveira do Arda, emocionou- se ao recordar memorias passadas, revelando-nos que a vida antigamente e a sua infância “foi sempre muito amarga, dolorosa,…”.
Começando pela sua infância, contou-nos que por volta dos quatro anos, havia “duas andadas de roupa: uma para toda a semana, outra para ir à missa”. Passavam os dias nos campos, com os pés descalços, pois só tinham “um par de calçado, ou seja, uns socos e umas sandalinhas de plástico”.
Recorda que nos dias de inverno, por mais tempestuosos que estes fossem, onde sentiam
que “os relâmpagos (…) nos atravessavam por baixo dos pés”, o trabalho continuava da
mesma forma.
O tempo foi passando e, já na fase dos cinco anos, tem viva a memória de “acartarem as
mobílias à cabeça pela serra acima”, quando se mudaram para a nova casa. Para além
disso, lembra-se de “trazer um saco de lã de ovelha” e da sua mãe fazer o trajeto grávida
da sua irmã mais nova.
Esta nova casa era pequena, com apenas dois quartos para nove dos seus irmão, fazendo
com que dormissem “três para cima e dois para baixo”. Além disso, “os cobertores não
eram muito grandes…eram aqueles de lá de ovelha que só cobriam praticamente a parte
de cima da cama”.
Contava-nos que nos dias frios de inverno era apenas um lençol que os cobria, ao qual
davam um pequeno nó para que este não saísse do colchão. Sublinha que estes eram
enchidos com palha e que iam “com as mãos e mexíamos a parte da palha. Depois,
chegava a um ponto, que queríamos ficar no meio, porque o colchão fazia cova e o do
meio era o mais afortunado. Era o que estava mais quentinho!”.
A alimentação era muito diferente da atual. Antigamente, compravam um quilo de carne
de vaca que era dividida em pequenas partes, “cozida na sopa e depois era feita uma
massa para levar para o trabalho e aquele bocado de carne ia dar para os dois tachos
(refeições)”, tudo isso para uma semana. O mesmo acontecia com o chouriço: “ele era
cozido e depois eram duas rodelinhas e o ovozinho”, e a sardinha, que era “dividida em
dois”.
Já com sete anos, iniciou o seu percurso escolar, lembrando-se de ser uma aluna mediana
e da boa relação que tinha com os professores. Ainda assim, acrescenta “apanhávamos
muito, não podíamos dar muitos erros porque naquele tempo havia régua…e uma régua
ainda rachada ao meio!”.
Antes de ir para a escola, juntamente com os seus irmãos, “acartavam molhos de mato e
lenha; estrume desde casa até ao campo, trazendo para casa batatas, cebolas, molhos de
couves,…”.
Adicionalmente, a sua infância passava por ir “lavar roupa para o Arda. Lavávamos a
roupa e tínhamos de pôr logo a estender para vir o mais leve possível”, isto porque a
“roupa para baixo ia seca, mas para cima vinha molhada”.
Com apenas treze anos, um dia depois de ter saído da escola foi trabalhar para as Laceiras,
numa fábrica de papel, onde percorria aproximadamente quatro quilómetros a pé. Fazia
parte do trabalho: escolher, pesar e estender o papel e utilizar a guilhotina, tudo isso para,
no final do mês, “ganhar uma miséria de 3 contos (…) são 15 euros”.
Contudo, após uma situação desagradável, falou com os seus pais, a quem lhes dava o
seu salário, e mudou de emprego, deslocando-se para São João de Ver. Aqui, ganhava
apenas dois contos e oitocentos, referindo: “ fui ganhar 14 euros, mas estive melhor”.
Relativamente à sua vida amorosa, começou “a namorar o meu marido aos 18 anos.
Eramos amigos e colegas de escola”. Sorrindo, revelou-nos que José a convidou para,
juntos, irem ao cinema da Estação. Contudo, dado que o seu pai estava muito doente,
internado no hospital, D. Fernanda viu-se obrigada a recusar o convite, informando José
que o iria visitar, ao qual este lhe perguntou se a podia acompanhar. “Desde aí começamos
ao domingo a ir ver o meu pai a Castelo de Paiva. Depois o meu pai voltou: não podíamos
passar da Estação para baixo, nas curvas da parte de baixo,…”.
Complementou a sua afirmação, explicando-nos que “enquanto agora um namoro dá-se
um beijo no primeiro dia, eu andei meio ano! E não se agarrava, não se dava a mão,
nada!! Era um de cada lado e as mão ao dependuro (…) e antes de começar a ficar
escuro, já se tinha de estar dentro (de casa). Mas foi bom…”.
Ainda durante a sua juventude, integrou no rancho folclórico “no lugar de Oliveira.
Adorei! Diverti-me bastante, porque o rancho ia ali, ia acolá e ajudava. Foi aí que
conheci a Serra da Estrela, através de um passeio do Rancho!”.
Quando questionada sobre as histórias que mais se recorda de viver na companhia dos
seus onze irmãos, disse-nos que tiveram sempre uma boa relação, contudo refere que não
existia muito tempo disponível para brincarem juntos. Todavia relembra, entre risos e
sorrisos, dois momentos que a marcaram: quando o seu irmão mais novo, “o traquina da
casa”, tal como lhe chamavam, se esquecia de tomar conta das ovelhas e ia jogar com a
bola de trapos, fazendo com que quando chegasse a casa apanhasse “porrada como um
desalmado”, ou então dos dias em que iam “buscar um molho das couves do campo”, e
o seu irmão “chegou à beira da padaria e resolveu meter o molho das couves em cima da
carrinha”, levando a que quando se atirou da carrinha abaixo partisse os dentes.
Falando da geração atual, constata que “por um lado, é bom haver um pouco mais de
liberdade do que aquela que tinha, mas por outro, acho que a liberdade também foi a
mais”. Acredita que esta liberdade influência a educação dos mais novos, o que por sua
vez se reflete na forma que tratam aqueles que os rodeiam, inclusive os professores.
Acrescenta, ainda, que o facto de terem desde cedo telemóveis quebra “o diálogo numa
mesa”, aspeto que sempre teve muito presente na sua vida e lhe custa ver desaparecer aos
poucos.
Por fim, numa vertente ambiental, refere que a quantidade de pessoas que andavam nos
montes, a recolher queiró e madeira eram o reflexo de naquele tempo não existirem tantos
incêndios, dizendo-nos que na natureza “estava tudo limpo”, acreditando que “a
modernice veio estragar muita coisa”.
Para finalizar, partilhou connosco a canção que andava sempre a cantarolar quando
começou a namorar:
abando por no final da entrevista mostrar-nos um poema que fala sobre o seu trajeto de vida.
Para finalizar, partilhou connosco a canção que andava sempre a cantarolar quando
começou a namorar:
Canção Ó Zé
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“Ó Zé, ó meu Zé
Eu não sei bem porque é
Que sempre te zangas comigo
Ó Zé, ó meu Zé
Eu tenho cá uma fé
Que ainda hei-de casar contigo
Diz que sim, Ó Zé
Diz que sim, que sim
Diz que sim, Ó Zé
Diz que só gostas de mim
Diz que sim, Ó Zé
Diz que sim, que sim
Diz que sim, Ó Zé
Diz que só gostas de mim”
​
Fernanda
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Finalizada a entrevista, levou-nos numa pequena viagem no tempo aos dias em que trocava cartas com o seu amor, enquanto este estava na tropa, sendo esta a única forma de manterem o contacto sempre que estavam longe um do outro.