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Maria Alice Correia Rodrigues Faria, que nasceu em Oliveira do Arda no dia 23
de Junho de 1951 (62 anos), foi entrevistada, juntamente com o seu marido Paulino, que
entretanto chegou a casa e se juntou à conversa.
Começamos por lhe perguntar sobre a sua infância, ao qual esta responde:
“Quando começamos a ser mais mocinhas, começamos a participar em grupos de
jovens, havia naquela época e nós íamos muito para Midões, fazíamos convívios e
ainda tenho fotografias desses convívios, era alegre… e era os bailes, passávamos a
vida a dançar, dançávamos muito e onde houvesse um gira-discos, lá estávamos nós”,
acrescentando que também ia à estação ao cinema e aos bailes que havia lá.
Quando questionada sobre os namoros e se era parecido com os dias de hoje,
Sra. Alice respondeu: “Acho que não, agora é tudo muito apressado, muito corrido…
eu comecei a namorar muito nova, tinha 16 anos mas era diferente, esse namoro foi
com o Tio Paulino que é o meu marido, foi para ultramar, para a guerra e veio e lá nos
casamos”
Como era costume enviar cartas nessa altura, foi-lhe perguntada se o fazia, tendo
nos dito: “Muitas! Quando ele estava na guerra era todos os dias, aerogramas1…” e
continuou “(…) depois quando veio ainda tivemos 1 ano solteiros, ainda nos fartamos
de gozar (…) e de dançar, que ele também gostava de dançar”
Quando perguntada se eram diferentes, os grupos de coro de hoje em dia:
“Era… nós vivíamos aquilo com um entusiasmo do caraças! Hoje é uma pena… até o
nosso lugar, é um lugar tão grande e o coro da nossa Igreja está tão pequenino porque
a juventude… não sei… não sei onde vocês ocupam parte do tempo, não se
disponibilizam para essas coisas. O nosso grupo foi um grupo muito bom (…) nós
participávamos nos casamentos, nas missas, a missa de Natal, de Páscoa, nós
corríamos e saltávamos para participar no ensaio, para sair bem nessas festas.”
Quanto às missas e se estas também sofreram alguma mudança, D. Alice diz:
“Eu acho que a nível do Sr. Padre, a parte dele pouco mudou, mantem se fiel àquilo
que era, [mas] teve aquela alteração, chamavam lhe os leigos, agora não temos porque
acho que foram suspensos, lá pelo Senhor Bispo, não sei… são ideias de cada um, sou
contra ter suspendido, (…) havia várias pessoas que vinham celebrar aqui (…). Achei
muito mal por parte do Senhor Bispo porque afinal não é a nível de país, pelo que ouço,
foi o Senhor Bispo que assim quis. Acho que não devia cortar ou se não, não ser assim,
uma coisa radical. Nós já estávamos habituados em ir à missa ao Domingo, acho que
ao Domingo é mais sagrado e na minha opinião este Senhor Padre está muito
sobrecarregado com trabalhos.”
Quanto às procissões e se estas eram maiores: “Eram, as pessoas participavam
muito mais, assim como na missa. Há 40 anos ou 30 isto era uma enchente, acho que as
pessoas viviam mais o momento, depois as pessoas apegavam se e havia muito isso. Na
Sra. das Amoras era mais romaria e assim, mas S. Domingos era mais de promessas,
como agora continua, é mais religioso. Juntava-se a fé à romaria e viviam mais aquilo,

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Um aerograma é um tipo de carta que se envia por correio aéreo, sem necessidade de sobrescrito.

porque mesmo em questão de ir à missa, as pessoas não participam como
participavam”
Relativamente às tradições da nossa terra, Dona Alice lembra-se do bife de São
Domingos: “Até hoje lhe chamamos bife da Sra. das Amoras, porque no dia 6 de
Setembro era a véspera da Sra. das Amoras. (…) Chouriço não tinha para durante o
ano, mas havia sempre um bocadinho para comer o bife na época da Sra. das Amoras e
com S. Domingos era a mesma coisa. Os meus sogros tinham uma tradição muito
maior, era os bifes, as carnes assadas, depois eu era assim “Ai meu Deus do céu,
porque é que nesta fase se come tanto…” aquilo era uma coisa que as pessoas tinham
mesmo com elas porque depois durante o ano sabe Deus, e eu, já naquele tempo, eu
achava que não devia ser tanto assim, mas ainda se mantem essas coisas dos bifes, mas
não tem nada haver, se eu tivesse que tirar o bife de S. Domingos para depois durante a
semana ou durante o mês eu tirava com uma facilidade… mas pronto, bem se vê que já
naquele tempo as pessoas faziam o contrário. [Mas] as festas da Sra. das Amoras eram
muito maiores que hoje, as pessoas vinham em romaria por ai acima e a minha mãe
nesses dias vendia café, comida, bebidas, vinho e fazia ali o dinheirinho dela”
Quanto à geração atual, Dona Alice deu a sua opinião: “Acho que é como antes,
há grupos de todos os níveis, embora a evolução foi muito grande tanto para o bem
como para o mal, mas acho que vai muito das mentalidades das pessoas, a informação
das coisas e temos de estar atualizados, acho que estais bem” diz, enquanto se ri. “Só é
pena, lá está, os tais grupos, passar muito tempo nas tecnologias, porque prejudica
muito, a gente vai vendo, a nível da saúde e a nível dos conhecimentos”.
Entretanto chega o marido, que decidiu ficar atrás da câmara, mas quando lhe
dissemos que o projeto era saber como era a vida antigamente, o Sr. Paulino disse:
“Oh… era muito difícil!”
Falou também das festas: “Eram as bandas de música durante o dia e durante a
noite, matavam os próprios bois no recinto, no dia”, ao que Dona Alice acrescentou:
“Era o boi morto, e desmanchado lá, nós íamos lá comprar os bifes mesmo a sair da
peça, aqueles é que eram gostosos, agora são mais fracos.”
Quanto à geração atual, senhor Paulino tem uma opinião diferente à mulher: “A
geração atual está estragada, em vários sentidos, muitos deles não sabem dar valor à
vida, estragam-se a eles próprios, estragam os pais, a fartura hoje estragou tudo, há
muita facilidade”. Quando perguntado se acha que vai melhor, respondeu: “Não, só
pior. Isto agora não tem retorno. Toda a gente fala, na coisa do ambiente, que se devia
fazer isto e aquilo, a própria juventude está inserida nessa coisa do ambiente mas se
dissesse a esta juventude que para o ambiente melhorar, tem que se recuar 50 anos
atrás, ninguém queria, se dissesse que tinha de andar a pé, não podes ter telemóvel,
essas coisas todas… ninguém queria. É por isso que não vamos a lugar nenhum, cada
vez está pior, mas é mesmo! No meu tempo, há 50 anos atrás, não havia carros, havia
aí umas bicicletas. Depois passou a ser uma motorizadas e isso contribui para o
benefício do ambiente, não haver, mas ninguém quer chegar a esse ponto. Por isso é
que eu digo, isto vai cada vez evoluir mais, toda a gente depois quer viver melhor e
para se viver melhor tem que se ter, tem que se correr, tem que se gastar… o ser
humano chegou a um ponto que agora é só para a frente.”
Quanto ao conselho que daria à geração atual, Sr. Paulino disse: “Nem sei o que
eu ei de dar de conselhos, é difícil dar um conselho à geração atual porque há partida
eles até nem acreditam que antigamente era assim da maneira que a gente conta, e
agora vou vos dar um conselho a vós: tem de ser um meio-termo, não se pode exagerar
mas ninguém quer saber disso para nada, as pessoas não ouvem, até há gente que diz
que somos antiquados. A geração de hoje não sabe o que é sofrer, ou pelo menos o que
é levar uma vida regrada sem exageros”
Dona Alice acrescenta, relembrando-se dos tempos difíceis quando era mais
nova: “Eu tinha 11 anos e fui servir, saí da escola aos 7 anos. Aos 12 anos andava o
dia inteiro com um gigo de entulho, depois fomos para a madeira, eu e os outros… Era
muito difícil, mas nós eramos unidos, as pessoas eram unidas, nós eramos 4 irmãos e
bem unidos, mas passamos um bocado, passamos fome…O meu irmão tomou conta de
uns moinhos, onde era o Crokas, tinha lá uns moinhos, então nós íamos para lá e a
partir daí não passamos mais fome. A minha mãe fazia a sopa ao meio dia e à noite
acrescentava e deitava-lhe farinha e eram as papas e eram um conforto para nós e
muitos naquela altura. A partir do 25 de Abril foi uma mudança…. Tanto no setor para
estragar o ambiente como no setor para a gente viver muito melhor, não tem nada a
ver!”
Enquanto isso, Senhor Paulino continua a falar sobre as diferenças de gerações:
“Eu não posso falar muito porque eu sou um revoltado, por isso, se eu começar a falar
às vezes digo disparates… sou um revoltado contra a sociedade de agora. Eu não vivi
tão mal como ela, graças a Deus, os meus avós eram agricultores, viviam bem, nunca
me faltou de comer e também nunca me faltou luxo porque naquela época não havia
luxos, a gente foi criado nisso, a gente vivia tranquilo da vida, a gente vivia até com as
portas abertas, não havia muita fartura mas vivia se alegre, mais ou menos bem. Agora
exagera-se de tal maneira que não há justiça, está tudo estragado, esta juventude de
agora só pensa em ir para a frente, em coisas boas e isto e aquilo e não pode ser, toda
a gente devia-se convencer que se devia viver sem estragar, ou pelo menos sem se
estragar muito, mas não, agora está se a viver de uma forma que muitos só vivem com
empréstimos, sobre empréstimos e depois vão se queixar que não têm dinheiro para
pagar, outros vivem à custa dos pais até não sei quantos anos porque quer uma vida
boa e não ganham para isso e eu sou um revoltado com essas coisas por isso eu não
posso falar muito. Não quer dizer que a malta de agora tem mais largas do que as que
eu tive no meu tempo, só que tudo se exagerou demais e agora não há volta a dar, não
há quem ponha mão nisso porque hoje toda a gente confunde aquilo que é liberdade
com aquilo que devia ser regrado. Cada um tem que meter na cabeça que a vida são
dois dias, como diz o outro, e é para gozar, certo, mas dentro dos limites aceitáveis
enquanto que por aí só se vê exageros e os exageros é que eu condeno, porque de resto,
eu não condeno a malta nova, porque eu já fui novo e também dentro das minhas
possibilidades também gozei”. Ao que Dona Alice comenta: “A mãe deles achava que
eles andavam na serra e eles em 10 minutos punham se no Arda, ao banho” e o Senhor
Paulino responde: “Mas isso eram as brincadeiras da altura porque não havia cafés,
não havia discotecas, não havia nada, era aquilo. Depois quando começou a haver os
bailaricos, a gente começou a ir, quando começou a haver o cinema, a gente ia ao
cinema…”
Senhor Paulino começou depois a falar da educação: “Apanhava por tudo e por
nada. Eu se andasse à pancada com um outro qualquer, eu apanhava, eu dava e estava
tudo bem entre nós, mas se a mãe do outro viesse a minha casa fazer queixa de mim, a
minha mãe pegava e era mais em cima. Só houve uma vez que apanhei e foi merecido,
foi quando eu me agarrei no autocarro. Passava ai um autocarro e a gente penduravase
sujeito a morrer e depois aleijei-me e ainda apanhei por cima e acho que foram bem
merecidas nessa altura” diz, a rir-se. “Tinha o vizinho e às vezes apanhava fruta no
vizinho e a minha mãe via e apanhava mais. Saí da escola com a 4ª classe, aos 11 anos
fui trabalhar, ganhava 7 escudos e 50 centavos por dia e todos os mesinhos dava
aquele dinheiro para casa, depois a minha mãe dava me os 5 escudos ao Domingo,
para eu levar no bolso e eu às vezes trazia-os embora outra vez. Não havia horas de
trabalho, não havia sábados, trabalhava-se sol a sol”
Para acabar a entrevista, pediu-se que partilhassem alguma lembrança e Dona
Alice partilhou uma música que se lembrava de antigamente, chamada “Eu cortei o
ramalhinho”:
 

Eu Cortei o Ramalhinho

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“Eu cortei um ramalhinho

Eu cortei e está cortado

Eu deixei o meu amor

Eu deixei e está deixado

Ó larai ó larai lai lai

Ó larai ó larai lai lai

As estrelas do céu correm

Todas numa carreirinha

E assim correm os favores

Da tua mão para a minha

Ó larai ó larai lai lai

Ó larai ó larai lai lai”

​

Alice

 

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